nunca soube se era porque ouvia demais
ou porque falava para dentro
sempre os achou essenciais, assim, como órgão do sentido
o sentido de ouvir, para ela, sempre foi magnífico,
bonito,
admirável,
empático
sempre quis um par deles para dividir os dias
sempre quis o par todo
de ouvidos
de olhos
de mãos
de pontinha do nariz gelada
tudo que aproximasse
que lembrasse, mesmo que vagamente,
os 5 sentidos todos
lembra?
"ninguém nunca que pode ocupar todos os sentidos"
ela repetiu por anos essa espécie de oração para justificar a falta de pares
ou melhor
a falta de emparelhamento
a falta de contemplação
negou por anos
essa importância
esse desejo
aceitou, por tempos, o silêncio
quando quis tanto a palavra
aceitou também o grito,
quando queria o silêncio
aceitou as ausências de toque,
quando o abraço salvaria tudo
aceitou tão pouco, quando queria muito
e tentou demais, quando fugia da solidão
na verdade, o que ela queria
era dizer que a gente sabe o que a gente admira
o que deixa a gente em paz
de olhinho brilhando
o que a gente quer receber e também (quase que primordialmente) dar
e isso tudo
esse conjunto de palavras ditas de forma confusa
era só para dizer
que alguém pode sim dividir, com ela, todos os sentidos
ocupar jamais
e recebe com contemplação
o que sempre amou
e sabia
o amor, esse amor aqui, que ela sente,
não dá pra dizer o tamanho
se é maior ou menor
se é mais louco ou mais sóbrio
ele é o real
o que acompanha
o que contempla
absolutamente
todo o amor que ela sempre teve
e esperava companhia
ela nunca havia entendido
e agora
parece que entendeu foi tudo.
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