terça-feira, 7 de julho de 2020

par(ar)

ela sempre refletiu sobre a importância dos ouvidos 
nunca soube se era porque ouvia demais
ou porque falava para dentro 

sempre os achou essenciais, assim, como órgão do sentido

o sentido de ouvir, para ela, sempre foi magnífico, 
bonito, 
admirável, 
empático 
sempre quis um par deles para dividir os dias 

sempre quis o par todo
de ouvidos
de olhos 
de mãos
de pontinha do nariz gelada 

tudo que aproximasse 
que lembrasse, mesmo que vagamente, 
os 5 sentidos todos 

 lembra? 
"ninguém nunca que pode ocupar todos os sentidos" 
ela repetiu por anos essa espécie de oração para justificar a falta de pares 
ou melhor 
a falta de emparelhamento
a falta de contemplação

negou por anos 
essa importância 
esse desejo

aceitou, por tempos, o silêncio
quando quis tanto a palavra 
aceitou também o grito, 
quando queria o silêncio 
aceitou as ausências de toque, 
quando o abraço salvaria tudo 
aceitou tão pouco, quando queria muito 
e tentou demais, quando fugia da solidão 

na verdade, o que ela queria era dizer que a gente sabe o que a gente admira
o que deixa a gente em paz 
de olhinho brilhando 
o que a gente quer receber e também (quase que primordialmente) dar 
e isso tudo 
esse conjunto de palavras ditas de forma confusa 
era só para dizer que alguém pode sim dividir, com ela, todos os sentidos

ocupar jamais

e recebe com contemplação o que sempre amou e sabia

o amor, esse amor aqui, que ela sente,
não dá pra dizer o tamanho 
se é maior ou menor
se é mais louco ou mais sóbrio 

ele é o real 
o que acompanha 
o que contempla absolutamente todo o amor que ela sempre teve e esperava companhia  

ela nunca havia entendido e agora parece que entendeu foi tudo.

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